CPF nas farmácias, você sabe seus direitos?

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(Foto: Reprodução/CBN Vale/CPF nas farmácias)

O Jornal CBN Vale 1ª Edição repercutiu na segunda-feira (4) um tema que há tempos chama a atenção de especialistas em direitos do consumidor, principalmente em relação à Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD (Lei 13.709/2018).

Empresas estariam vendendo dados sensíveis de clientes, com base no CPF dos consumidores, para companhias multinacionais de pesquisa de mercado. Com base nesse banco de dados, empresas privadas conseguiriam ter em mãos, por exemplo, informações detalhadas das prescrições médicas que chegam até as redes de farmácias.

A reportagem da CBN Vale apurou que dados como o tipo de medicamento, classe terapêutica, dosagem, apresentação (gotas, comprimidos, spray, etc.), posologia, entre outras informações, geram relatórios regulares que são utilizados pelas indústrias farmacêuticas com o objetivo de aperfeiçoar suas políticas de vendas, marketing, treinamento e merchandising, e até mesmo, na visualização de oportunidades para lançamentos de novos produtos.

Em entrevista para a CBN Vale, César Bettin, Officer Compliance e DPO, especialista em proteção de dados da CB – Consultoria, comentou o porquê de empresas, como redes de farmácias, por exemplo, solicitarem o CPF (Cadastro de Pessoa Física).

Por que utilizar os dados pessoais?

O especialista explica que, ao comprar medicamentos, os clientes são incentivados pelos funcionários das farmácias a se cadastrarem na Rede. Assim, eles podem receber descontos nas compras ao passar o CPF ao balconista. Com isso, vai sendo gerado um histórico de compras do clientes, que seria “vendido” para empresas de pesquisa conhecerem os produtos mais prescritos e vendidos nas lojas.

Somente uma rede privada possui hoje os dados de cerca de 48 milhões de pessoas, ou seja, quase 1/5 da população do Brasil, obtidos nos últimos 16 anos. Para comparação, o total é mais que o dobro das informações que o próprio Governo Federal, com o Programa Farmácia Popular, possui, algo em torno de 22 milhões de dados cadastrais.

“Porque os nossos dados pessoais são importantes e relevantes para eles, dentro da empresa, financeiramente. Eles [estabelecimentos comerciais] vendem os nossos dados pessoais sensíveis para outras empresas, para que elas possam fazer propaganda direcionada”, explicou o especialista.

Bettin considera importante que os estabelecimentos comerciais apresentem de forma transparente a política de compartilhamento de dados, não apenas as redes de farmácias, mas toda e qualquer empresa, conforme o que consta na LGPD.

balconista de farmácia atende cliente
(Foto: Reprodução)

Como funciona o uso de dados – farmácias

Empresas especializadas em administração de dados e estratégias de mercado utilizam as informações dos cadastros de clientes de redes de farmácias, por exemplo. As informações servem para direcionar o uso de uma determinada marca ou produto para o universo de clientes que possuem perfil de compra parecido aos itens pesquisados.

Nas redes sociais, os clientes identificados como potenciais consumidores são abordados com diversas propagandas ou menções para o uso da marca de interesse da indústria. Ou seja, de certa forma, o cliente estaria pagando para que ele e mais pessoas sejam acionadas com esses anúncios, explicou o especialista.

Da mesma forma, a indústria farmacêutica tem o acesso ao universo prescrito da classe médica, no momento em que o consumidor apresenta a receita ao balconista da farmácia. A receita é copiada ou escaneada, e passa a integrar uma espécie de banco de dados de prescrições.

As informações são subdividas em diversos tópicos, sendo possível pesquisar as classes terapêuticas (mercado total), e os diversos produtos que pertencem à uma determinada classe, com a quantidade de receitas apuradas por região, e de cada produto. Essa é uma ferramenta essencial para que a indústria identifique onde o trabalho de campo, via propagandistas farmacêuticos, está surtindo efeito.

E se eu não fornecer o CPF, perco o desconto?

A resposta é não! De acordo com César Bettin, as farmácias podem conceder o desconto sem que o cliente forneça dados como o CPF. Caso a farmácia se recuse a fornecer o abatimento, o estabelecimento pode ser denunciado no Procon. Bettin sugere que, no momento da compra, o consumidor pergunte qual o valor do produto com e sem o desconto, quando for solicitado o CPF. O cliente pode então confirmar a compra com desconto, mas sem informar o número do CPF ao lojista.

Como saber se meus dados são utilizados

Nem todas as farmácias vendem as informações de seus clientes para empresas especializadas, mas é possível, no entanto, consultar algumas empresas e solicitar quais informações elas possuem do consumidor. A seguir, os links para consulta de algumas das principais redes de farmácias do país:

Prática pode ser considerada abusiva– farmácias

A prática comum nas farmácias de solicitar o CPF dos clientes para oferecer descontos pode ser considerada abusiva de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A legislação brasileira exige transparência e consentimento explícito para o compartilhamento de informações pessoais, como o CPF, e a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) vem monitorando essas práticas desde 2020.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) alerta para o risco de vazamento e compartilhamento indevido desses dados, destacando que o desconto em medicamentos não deve comprometer a liberdade do consumidor de decidir sobre o compartilhamento de suas informações.

“O próprio desconto [em medicamentos] pode limitar a liberdade do consumidor para decidir ceder ou não as suas informações”, afirma o Idec.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que as farmácias e drogarias não podem ultrapassar o preço máximo permitido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) – a lista de preços máximos está disponível no site da Anvisa.